Cultivo não irrigado representa 95% da área de plantio do Ceará. Centro-Sul tem maior tendência de chuvas abaixo da média em 2021, conforme prognóstico da Funceme. Quadra chuvosa começou ontem após um janeiro com precipitações muito abaixo da média.
Diferentemente do ano passado, a quadra chuvosa que se iniciou ontem no Ceará tem prognóstico de precipitações abaixo da média. No Centro-Sul, onde estão os maiores açudes do Estado, a previsão é que anormalidades negativas tragam ainda menos água para a região. Nos reservatórios, a situação é melhor que a de anos anteriores para atravessar um ano que pode ser de seca, de acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Porém, para agricultores que dependem somente das chuvas para manter a produção, a situação é desafiadora. Sem irrigação, eles investem em práticas de convivência com o semiárido.
"Um inverno abaixo da média sempre nos preocupa bastante", afirma Pedro Neto, integrante da direção central do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Ceará e assentado no assentamento Palmares, em Crateús. "Chuvas abaixo da média com certeza trarão consequência para nossa produção no geral, porque tem a ver com o ciclo de produção dos alimentos que estão diariamente na mesa e também com os pastos naturais de onde ainda depende grande parte da alimentação dos animais", explica.
A família de Neto é uma das 70 que vivem e produzem em Palmares, fornecendo uma diversidade de alimentos no mercado convencional (em feiras, por exemplo) e por meio de programas institucionais como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). "Temos desenvolvido práticas de convivência com o semiárido. Uma estratégia que é histórica e que nos fortalece. Nesse momento, como há uma certa ameaça de não termos um bom inverno, essas práticas devem ser priorizadas", analisa o agricultor. "Garantir a adequação de cisternas, trabalhar com o reuso de água, utilizar a irrigação por gotejamento e manter palma forrageira para os animais", cita.
A agricultura não irrigada, que depende exclusivamente da água das chuvas, corresponde a 95% da área de plantio no Ceará e produziu mais de 3,5 milhões de toneladas em 2019, o equivalente a 72% do total daquele ano, conforme os dados mais recentes da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet). É também maioria no Estado a agricultura familiar. Dados do Censo Agropecuário de 2017 indicam que ela está presente em todos os municípios e representa 75% dos estabelecimentos agropecuários do Ceará.
Para Marcus Vinícius de Oliveira, agrônomo e diretor presidente do Esplar — Centro de Pesquisa e Assessoria, a agricultura cearense "é e sempre vai ser de sequeiro". "Não se pode fazer uma irrigação no Ceará como se faz no Centro-Oeste ou no Sul. Aqui, onde tem água não tem solo produtivo e onde tem solo não tem água. Ibiapaba, Acaraú, Curu, Jaguaribe e Cariri é onde é possível fazer, mas existem muitas áreas em que a solução é a convivência com o semiárido", afirma. "Já tivemos propostas de combater a seca e construir açudes, mas não é uma solução pois não são democratizados. Acumulam muita água, mas não chegam a muita gente."
Vanusa Inácio de Carvalho, agricultora da comunidade rural Irapuá, de Nova Russas, é uma das beneficiárias do trabalho de assistência técnica para implantação de sistemas agroecológicos desenvolvido pelo Esplar. Vanusa tem um quintal produtivo, garantindo alimentos para os quatro integrantes da família e gerando uma pequena produção para venda. "Quando entra janeiro e fevereiro, a gente fica na expectativa de que vai chover para começar a fazer as nossas plantas, preparar as sementes e as mudas", conta. "Sem chuva, a gente não tem expectativa para plantar e, para o agricultor, o ano só começa quando começam as chuvas."
Em seu quintal, ela tem um cacimbão e uma cisterna de primeira água que garantem abastecimento para consumo da família durante o ano. Há também um bioágua, equipamento que filtra as águas provenientes do banho e da lavagem de roupas e louça, conhecidas como água cinza. Após o processo, a água torna-se apta a ser utilizada na irrigação do quintal produtivo. "Tem de usar com cuidado, mas mesmo em quadra de pouca chuva a gente garante para o ano todo. Pode até não ter uma grande produção, mas consegue produzir", garante.
Outra estratégia é se adequar aos cultivos de ciclo curto para evitar perdas, como coloca José Francisco de Almeida, secretário de políticas agrícolas da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultoras e Agricultores Familiares do Estado do Ceará (Fetraece). "Recebemos com certa precaução o prognóstico dessa quadra chuvosa. Se temos uma quadra em torno da média, temos uma alta produção; mas, quando ela se concentra intensa ou falha, isso vai resultar em uma queda de produtividade", expõe. "Não é deixar de plantar, mas orientar nossos agricultores para plantar dentro do período aproximado de mais chuva. Assim, seria suficiente para colher o que se plantou."
O POVO Online
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