No Ceará, os idosos são a imensa maioria dentre os pacientes que vieram a óbito em decorrência do novo coronavírus. Já são 4,5 mil mortes de pessoas com 60 anos ou mais. A cada 10 óbitos pela doença no Estado, 7 são de idosos
Legenda: Por afeto e memória, idosos precisam de mais cuidado e proteção durante a pandemia de Covid-19
Foto: HELENE SANTOS
O caminhar um pouco vagaroso não há mais. Nem o contar de histórias, às vezes, até repetidas, mas fundamentais para que tantas gerações saibam o que ocorreu naquela família, naquele lugar. Foi embora o som da voz mais pausada cuja dona - em tempos convencionais - ainda guardava o hábito de sentar na calçada. Partiu quem viu o bairro, as ruas, as pessoas se transformarem ao longo de décadas. A Covid-19 os levou.
No Ceará, assim como em inúmeras partes do mundo, os idosos são a imensa maioria das vítimas silenciadas pela doença. No Estado, até junho, a proporção é que a cada 10 óbitos pela doença, 7 foram de pessoas com 60 anos ou mais. De março a junho, 6.180 pessoas perderam a vida no Estado devido à Covid-19. Destes, 4.578 eram idosos. Para além dos lutos individuais, a perda concentrada (e quase simultânea) de milhares de pessoas mais velhas traz grandes efeitos sociais: fragiliza ainda mais o contato das demais gerações com a velhice e enfraquece as memórias da história social de cada território.
No bairro Parquelândia, em Fortaleza, o "Seu Magalhães" já não cumprimenta os conhecidos, com o característico traço gentil. A loja de autopeças fechou, após mais de 30 anos de funcionamento. Seu Magalhães deixou 3 filhos, 4 netos e a esposa. José Raimundo Vieira Magalhães tinha 76 anos. Foi um dos milhares de idosos mortos em decorrência da Covid-19 no Ceará, onde, estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,32% dos 9,1 milhões de habitantes, são idosos.
No dia 5 de junho, após dias internados no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Seu Magalhães perdeu a vida. A neta, jornalista Camila Magalhães de Holanda, chamada carinhosamente de "vida" pelo avô, assim como os demais parentes, não pode velar o corpo de Magalhães. A pandemia que leva, sobretudo, idosos, é também cruel para qualquer tentativa de rito de encerramento. As lembranças, agora, são muitas. Multiplicam-se. Camila o descreve como um homem alegre, leve e positivo.
Na família de Magalhães, Camila e o irmão, ambos com mais de 20 anos, são os netos mais velhos. Outros dois ainda são pequenos. "Nós fomos os únicos netos por muitos anos. Vivemos muito mais coisas que o meu primo de 7 anos e a outra prima de 1 ano. Minha prima não vai ter o vô maravilhoso que eu tive. Não vai saber o que é o vô levar no parquinho, o que é o vô buscar na escola, o vô amassar o feijão. Não vai saber o que andar de buggy com o avô", afirma ela. Lacunas compartilhadas em tantos outros lares.
Proporção
No Ceará, do total de 6.180 mortes por Covid entre março e junho, 44,61% foram de pessoas entre 60 e 79 anos. Outras 29,97% foram de pessoas com mais de 80 anos. Além de serem as pessoas que mais morrem por Covid-19, os idosos são também o grupo etário com o maior crescimento na taxa de contaminação registrado no decorrer dos meses. Em março, a cada 100 pessoas contaminadas no Ceará, 17 tinham 60 anos ou mais. No final de junho, essa proporção era de 22 idosos contaminados a cada 100 infectados.
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