O Projeto de Lei 5568/2013 quer alterar o Código de Trânsito Brasileiro para tornar mais severas as punições para quem comete crimes no trânsito, especialmente os que envolvem ingestão de bebida alcoólica FOTO:WELLINGTON MACEDO
O estudante de Direito Domingos Euzébio de Albuquerque Neto, 21 anos, viajava a trabalho e, ao voltar de Camocim para Sobral, o carro em que estava foi atingido por um outro veículo que invadiu a contramão. De acordo com testemunhas, o motorista que causou o acidente estava embriagado. Era o dia 11 de setembro de 2013 e a família do universitário passou a ter sua própria tragédia.
Euzébio faleceu no local e se tornou uma das 54.767 pessoas mortas no trânsito no ano passado em todo o País, a grande maioria homens entre 25 e 34 anos. Os dados são da Seguradora Líder DPVAT, responsável pelo pagamento do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT).
Somente no Ceará, foram 2.683 indenizações por morte pagas em 2013, tornando o Estado o segundo maior do Nordeste em registros, com 17,37% dos casos. Na primeira colocação, está a Bahia, com 3.452 fatalidades (22,35% do total na Região). Entretanto, a população baiana é 71,37% maior que a cearense (15,044 milhões contra 8,779 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - do mesmo ano), indicando que, proporcionalmente, a situação é mais alarmante no Ceará.
Mesmo assim, a quantidade de registros no Estado caiu 4,42% em comparação a 2012, quando houve 2.807 indenizações por morte. Neste ano, até março, foram 698 registros. No Brasil, houve 12.401 mortes no trânsito no período, sendo 3.691 no Nordeste.
Impunidade
Para as famílias das vítimas, além da perda, há ainda a sensação de impunidade para quem comete crimes no trânsito. Segundo levantamento do movimento Não Foi Acidente, criado para pressionar a mudança das leis, tornando-as mais rigorosas, existem apenas dez presos no País por infrações desta natureza. Ainda de acordo com o movimento, o número de mortes ultrapassa os 60 mil por ano e 40% delas envolvem o álcool e direção.
Foi este o caso de Euzébio. Segundo a família dele, o acusado de provocar o acidente chegou a ficar foragido e somente no último dia 7 houve a audiência de instrução. Enquanto o caso não é julgado, resta aos entes o lamento da perda. "O Euzébio era o nosso maior tesouro, nosso rei. Ele também estava perto de concluir a faculdade. Havia passado num estágio no Ministério Público e sairia do IBGE, onde trabalhava há menos de um ano. Ele faleceu, por ironia do destino, no dia do aniversário da sua irmã mais velha que era e é alucinada por ele: eu", relatou a médica Melina Albuquerque. "Torcemos agora por um júri popular", completou.
As circunstâncias que levaram à morte do estudante enquadraram o caso como homicídio doloso, aquele em que há a intenção de matar. Entretanto, ocorrências que resultam em morte, mas sem configurar a intenção de matar, são considerados homicídios culposos e julgados, aqui no Estado, pela Vara Única de Delitos do Trânsito (VUT), que também analisa casos de lesões corporais não amparados pelo Juizado Especial. De acordo com o juiz titular da Vara, Jorge di Ciero Miranda, existem, atualmente, 594 processos em aberto e 716 foram concluídos.
Condenações
Desde maio de 2011, quando os processos da antiga 2ª Vara de Trânsito foram redistribuídos para a VUT, foram feitas 270 condenações, quase todas transformadas em penas alternativas (apenas em um caso foi indicada a prisão). Ou seja: em vez de ser preso, o réu perde determinados direitos. De acordo com o juiz, elas são aplicadas nos casos em que as penas são inferiores a quatro anos ou em aplicações maiores, "quando a gente identifica que, pela culpabilidade, ou pela personalidade do agente, essa pena ainda seria justificável e suficiente para inibir a conduta", disse o juiz.
De acordo com Jorge di Ciero Miranda, a substituição de pena tem sido "um parâmetro nosso que, salvo as hipóteses em que existe um elevado grau de reprovação, um desprezo evidente pela vida humana e pelo comprometimento dele com o corrigir suas atitudes".
Com relação às críticas que consideram as penas para as mortes no trânsito brandas, o juiz ressalta a diferença de natureza dos crimes. "Por se raciocinar que os crimes não são desejados, as penas dos crimes culposos são bem menores do que os dos crimes dolosos", justificou.
Movimentos pedem punições severas
As mortes causadas por crimes cometidos no trânsito levaram familiares de vítimas em todo o País a se unir para perdir justiça. É o caso do movimento Não Foi Acidente, do qual faz parte a família do estudante Euzébio Albuquerque. Ele foi criado em 2011 para pressionar pela mudança da legislação referente às punições aplicadas. Um Projeto de Lei (PL) foi criado para alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e hoje tramita no Congresso Nacional.
"As principais diferenças são que ele estabelece tolerância zero para a mistura álcool e direção (que hoje é de 0,6 decímetros por litro de sangue) e institui o crime de transito, com pena de 5 a 8 anos, intermediária entre o homicídio culposo (2 a 4 anos) e o homicídio doloso, de 6 a 12 anos", explicou por e-mail o arquiteto Nilton Gurman, idealizador do movimento Viva Vitão, criado após a morte do sobrinho dele, atropelado ao caminhar em uma calçada em São Paulo. "Hoje, a grande maioria de crimes de trânsito fica impune. Só há dez casos de pessoas condenadas e presas. A legislação é muito permissiva e a demora de uma ação pode levar mais de dez anos", relatou Gurman.
Petição
O PL 5568/2013 nasceu da ação conjunta dos movimentos, que querem juntar 1,3 milhão de assinaturas numa petição online (http://svmar.Es/1q260WG). Atualmente, há quase um milhão de adesões e, desde uma audiência realizada em maio, está nas mãos do deputado Hugo Leal, que apresentará um substitutivo para levá-lo a plenário.
Na sua justificativa, o documento pede o CTB estabeleça "tolerância zero e puna definitivamente quem bebe e dirige, criminalizando a conduta". O texto ainda ressalta que "beber e dirigir é crime e não uma mera infração administrativa".
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Acidentes têm redução proporcional
Mais carros, menos mortes.
Em 1981 ocorria no Ceará uma média diária de 14,56 acidentes por dia. Pouco mais de três décadas depois, em 2012, a média foi de 70,42. Neste período, a frota de veículos no Estado passou de pouco mais de 160 mil para mais de dois milhões de veículos.
O número total de acidentes de trânsito cresceu de 5.315, no começo dos anos 1980, para 25.704 em 2012, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE). Porém, proporcionalmente em relação ao tamanho da frota, houve uma redução no número de acidentes.
Em 1981, a taxa de acidentes por 10 mil veículos era de 328,28. Em 2012, esta mesma taxa foi de 119,03. O número de vítimas mortas aumentou de 546 para 2.403 no período analisado, mas se levarmos em consideração o tamanho da frota, o número de mortos para cada 10 mil veículos foi em torno de três vezes menor neste mesmo período.
Podemos dizer que há mais veículos, mais acidentes no total, mas proporcionalmente, o trânsito se tornou mais seguro. A renovação da frota introduz carros com tecnologia mais avançada do que a geração anterior e, como muitas destas tecnologias estão ligadas à segurança dos veículos, a renovação acaba contribuindo para a redução na taxa das vítimas.
Porém, ainda existe o fator humano. Mais de 90% dos acidentes ocorrem por falha humana. Os principais tipos de acidente no Ceará são as colisões/abalroamentos, isto é, o típico acidente que ocorre devido a condutores que ultrapassam o sinal vermelho ou tentam forçar uma ultrapassagem.
Apesar das melhorias tecnológicas, estas ainda são insuficientes para reduzir o porcentual de vítimas entre os motociclistas, já que estes são mais vulneráveis em caso de sinistro.
Mesmo que o aumento da frota de motocicletas tenha contribuído para a redução proporcional das vítimas, os motociclistas ainda constituem a principal categoria vítima de acidente de trânsito no Ceará.
Maurício Bastos Russo
Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC)
FIQUE POR DENTRO
500 mil óbitos em dez anos
Mais de 536 mil mortes em acidentes de trânsito foram registradas no Brasil no período de dez anos. A constatação foi feita numa pesquisa do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), que levantou dados entre 2003 e 2012. A principal fonte utilizada foi a da Seguradora Líder DPVAT.
Em 2003, houve 34,7 mil mortes no trânsito, número que cresceu quase 100% até 2007, ano em que foi atingido o pico de 66,8 mil mortes. O número de vítimas caiu para 50,7 mil de 2008 a 2010 e voltou a subir nos anos seguintes, encerrando 2012 com 60,7 mil. Na conclusão, a pesquisa menciona que, em 2013, houve novo recuo, para 54 mil. O banco de dados do DPVAT mostrou ainda um número de quase 2 milhões de feridos nos acidentes, com o pico de 447 mil em 2012.
A pesquisa utilizou como critério a proporção de acidentes/mortos e acidentes/feridos, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), para concluir que houve cerca de 13 milhões de acidentes, sendo 8,1 milhões sem vítimas.
O levantamento também calculou o prejuízo que essas mortes causam por perda da força de trabalho, cuidados médicos, manutenção das estradas e outros ônus. O estudo estima que cada morte no trânsito em área urbana custe R$ 232,9 mil, menos da metade do custo das que ocorrem em rodovias, que somam R$ 576,2 mil.
A pesquisa, entretanto, não detalha as mortes ocorridas por regiões ou áreas urbanas e estradas.
AUTOR: DN
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