Do caderno especial do jornal O POVO, “A peleja da água”. Foto: Fábio Lima/ O POVO
Neste domingo, 08, o jornal O Povo traz matérias sobre o cenário de seca em que se encontra o semiárido cearense. Uma delas, mostra a gentileza, que sobrevive aos mais variados desafios em meio a seca.
O “fim” das águas nos Inhamuns, região mais escassa do sertão cearense, tem obrigado o coordenador da Defesa Civil de Tamboril, Edmilson Karyry, a negociar acessos. Em algumas propriedades particulares ainda há fontes “minando”, mesmo com a estiagem se encaminhando para o terceiro ano consecutivo no semiárido brasileiro. Mas nem todo mundo permite a retirada sem a paga.
Num “abandonado” batizado por Holanda, distante 10 quilômetros da sede do município, dona Antônia Alves de Paula, 72, é exceção em meio a tanta falta. Uma “gentileza”, a senhora alva. De não se importar em abrir e fechar a porteira da fazenda para os carros-pipas. Um vai e vem de caminhões do Exército e da prefeitura que passam o dia retirando cargas e cargas d´água da fonte Jurema.
O poço, bem poderia se chamar Chico Rufino. Homenagem amorosa ao homem da vida de Antônia Alves, pai de seus quatro filhos e que faleceu em abril do ano passado. Três meses antes de completarem 42 anos de casados. Eram primos legítimos e se conheceram em Ipaporanga, então distrito de Nova Russas e não menos árido do que ali.
Foi Chico Rufino que descobriu o oásis, depois de atravessar muitas secas e sair cavando onde pudesse encontrar água para manter o gado de pé e criar a família. No leito de um riacho que passa na fazenda, perfurou o que havia de possibilidades e veios que secaram com o tempo ou foram soterrados pela areia pedregosa.
Um dia, há 23 anos, o fazendeiro deu com a fonte e passou a chamá-la de Jurema (talvez por causa da árvore que tem o mesmo nome e é parte da caatinga). Chico Rufino cercou-a em formato de cacimbão de boca larga e fez uma escada para descer até onde a água doce era abundante e podia ser bebida por gente e bicho.
Do poço de Antônia e do marido saudoso nunca se negou água. “Faz muito tempo que a gente facilita” pra quem precisa, diz. E, por sorte ou situação geográfica privilegiada na secura dos Inhamuns, a água nunca faltou. “Fica fraco, mas não seca”.
Tem fundamento, testemunha Edmilson Karyry. Da cacimba Jurema e mais quatro fontes são retiradas pelo menos mil carradas de água, por mês, para socorrer os dias nas casas de 12 mil pessoas que vivem na zona rural de Tamboril. Hoje, o serviço municipal que mais ocupa a rotina das prefeituras atingidas por dois anos de falta sem chuvas regulares.
Para quem é de fora e ainda não sentiu na pele racionamento em Fortaleza, custa acreditar que quase toda Tamboril sobrevive de três cacimbões (Jurema, Carão e Araras), de um poço profundo (Riachão) e do que ainda resta da Barra Velha (fonte alimentada pelas derradeiras águas do açude de Independência, conta Edmilson Karyry). No município são 25.826 habitantes teimando com a seca.
Por enquanto, a água de dona Antônia Alves se multiplica. Dá para repartir com os outros, favorecer a plantação de subsistência e encher os bebedouros do “gadim” e de outros bichos. “Ficar num lugarzim assim, tão abandonado, ter uns criar é como a gente se diverte”. Ri e diz pra gente que está cedo para irmos embora. Já era perto do fim da tarde e o próximo destino era a cacimba do açude Carão.
Fonte: Jornal O Povo.
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