Uma reportagem exibida ontem pelo programa Fantástico, da Rede Globo, expôs ao Brasil um crime que, apesar de ter origem secular, ainda choca pela brutalidade: fraudes em ações do governo que combatem a seca com caminhões-pipa. Enfrentando a pior seca dos últimos cinco anos, a reportagem flagrou todo tipo de irregularidade na distribuição de água em vários estados do Nordeste: tanques imundos, água vergonhosamente contaminada e cronogramas de entregas atrasados. Estamos lidando, aqui, com a disponibilização de um produto que é a última fronteira entre a vida e a morte; sua ausência pode fazer toda a diferença entre viver mais um dia ou morrer na agonia da desesperança.
Como em todas as situações de calamidade na história da humanidade, enquanto muitos buscam se ajudar, outros tantos se aproveitam da situação de desamparo dos mais vulneráveis para ganhar dinheiro a qualquer custo – até mesmo da vida humana. O comércio clandestino de tanques de gasolina que, uma vez vendidos, são transformados, em oficinas, em tanques para transportar água potável.
Esse tipo de ação deveria ser frontalmente combatido pelos governos, mas, como vimos na reportagem, até mesmo o Exército, responsável pela vistoria desses caminhões, tem parte em um suposto esquema de propina. Empresas fantasmas em nome de laranjas ganham licitações para transportar água e, para piorar, os próprios pipeiros, livres de qualquer fiscalização, dão um jeito não fazer o trabalho. Prefeituras de pequenas cidades, justamente as mais atingidas, também têm parcela na culpa ao não exigir rigor e muito menos fiscalizar a execução desses programas.
O maior mérito da reportagem, no entanto, não reside nos fatos exibidos, de amplo conhecimento do povo nordestino. A matéria cumpriu um objetivo maior: mostrou ao Brasil moderno que existe, ainda, um Brasil arcaico e sedento de água e justiça.
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