Setembro passou / outubro e novembro... / meu deus, que é de nós, / meu deus, meu deus / assim fala o pobre / do seco nordeste - "a triste partida"
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SARA MAIA
Notícias chegaram de Ematuba (nos Inhamuns) quando fizemos pouso na desertificada Irauçuba (região Norte do Ceará). Um cafundó distante 36 km da sede do município de Independência. De Emiliano Nunes, um jovem técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematece), as informações eram de que a pindaíba de gente e gado, por lá, era extremada.
E, sem exageros, os relatos feitos por Emiliano não incluíam a dificuldade para se chegar até o destino. Trinta e seis quilômetros transformados em muito mais (ida e volta) de uma estrada carroçável e solavancos. Chega-se ali quem é repórter ou quem tem algum negócio certo. Ou não se aguenta de saudade do lugar onde se rebentou um dia. É longe Ematuba. E na seca parece que fica mais distante.
A maioria das pessoas, conta Maria do Zé Evandro, chega uma hora que não suporta mais e vai embora do distrito que só tem como certa a água da chuva. Isso quando chove, mesmo ruim, durante o “inverno”.
Falta água e todos que prometeram levar abastecimento para lá nunca cumpriram as promessas. Desde que Maria de Zé Evandro se entende por gente, hoje tem 64 anos, e o marido, 72, vê “o povo que nasceu no sol” ir embora. De cabeça, somou 50 casas que foram se esvaziando da paciência. Mudaram de praça. Foram para sede em Independência, Crateús e Fortaleza. Restam uns 500 crédulos (sede, sítios e fazendas) ou conformados com a situação que piora nos meses de estiagem.
Maria de Zé Evandro, nascida Maria do Socorro de Almeida Gomes, decidiu entrar na política pela porta da Câmara Municipal de Independência. Pra ver se mudava o destino de Ematuba. Mas nem como vereadora conseguiu água para os canos do lugarejo. Um arraial, povoado típico dos sertões inimagináveis, surgido ao redor de uma matriz visitada aos domingos por um padre passageiro. O padroeiro, por ironia ou propósito, é São José.
Na pasta de peleja de Maria de Zé Evandro há uma infinidade de documentos. Pedidos e pareceres sobre a viabilidade de se trazer água. Um documento do Governo do Estado, datado de 2007, desfaz a esperança de implantação de um sistema de abastecimento via Projeto São José. O pequeno número de beneficiários e as distâncias dos manancias “de água salobra” foram as justificativas para emperrar a possibilidade de uma obra.
Em 2009, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) se recusou a analisar o “pleito” por “água federal” porque a Prefeitura de Independência não costumava prestar contas de acordos firmados com o governo em Brasília. E, no ano passado, uma tomada de preço para a construção de uma adutora ficou pelo meio do caminho dos interesses políticos.
Na seca as coisas se agravam. Dia sim, dia não, um carro-pipa estaciona em frente ao patamar da igreja e despeja oito mil litros d´água num tanque. Quem chega primeiro enche as burras, as vasilhas e os “manés-magos”. Uma vara longa sobre duas rodas e de se sustentar nos ombros. Transporte, geralmente empurrado pelas mulheres de Ematuba. Feito Cícera Tomé Mendes de Oliveira, 45, que carrega de uma vez só sete botijões ou 140 litros d´água no lombo. “Dá para beber, cozinhar e tomar banho por dois dias”. Na casa dela não tem marido e há dois filhos adolescentes.
“Meu amigo, o homem já foi à lua, está perto de ir a Marte e nenhum governador, prefeito ou político trouxe água para Ematuba. Pode?”, ironiza Zé Evandro de dona Maria. (Demitri Túlio e Cláudio Ribeiro).
Nem palma nasce maisNo sol de lascar da localidade Santa Cruz, em Independência (309 Km de Fortaleza), região dos Inhamuns, a roça de palma não vingou. Por falta de água mínima, qualquer umidade, sereno da noite que fosse. Triturada ou cortada em tiras, a palma espinhenta serve de comida para o gado e qualquer bicho esfomeado das brenhas do Ceará.
Francisco Gerôncio Soares, 45, mostra o plantio, justamente numa área atendida pelo projeto de suporte forrageiro. As palmas foram fincadas no chão duro em julho. Desde abril o céu já era sem nuvem. Só esperança não aduba a terra. E as palmas envergaram murchas.
“Tentamo palma, leucena, sorgo, mas cadê água? Tem o que vingue, não”, diz Gerôncio. Estende o braço e mostra o cercado perdido. Um hectare de palma e mais dois para a leucena. Iria tudo para o gado esfomeado.
Para ter como matar o ócio e reforçar o ganho de casa (de mulher e dois filhos), Gerôncio vai a outras propriedades oferecer serviço. Cobra R$ 3,50 pela braça (medida equivalente a 2,5 metros). “Tô fazendo uma de mil braças. É o que a gente tem pra fazer aqui, viu?”. (CR/DT)
Fonte:http://www.opovo.com.br/app/opovo/planetaseca/2012/11/10/noticiasplanetaseca,2951267/cafundos-de-um-povo-do-sol.shtml
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