Para cientistas políticos ouvidos pelo O POVO, tema virou polêmica eleitoral pela falta de clareza e por moralismo cristão
As notícias recentes que envolvem a campanha eleitoral não deixam dúvida de que o aborto virou a principal pauta do segundo turno. Mais do que isso, dizem cientistas sociais, o aborto virou pauta “eleitoreira”. É assunto que, de acordo com especialistas ouvidos pelo O POVO, poderia ser tratado de forma secundária na disputa entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).
Francisco Moreira Ribeiro, coordenador do curso de Ciência Política da Universidade Fortaleza (Unifor), considera que esse tema só ganha espaço na disputa política por que existe um “vazio” de discussão sobre o aborto na sociedade brasileira. “Não há nem nunca houve clareza nessa discussão.” Moreira destaca, porém, que o aborto é um tema a ser pensado como um problema de saúde pública, não como pauta de campanha.
Já para o cientista político e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Josênio Parente, a doutrina religiosa cristã ainda tem uma relevante força na sociedade brasileira. O que abre espaço, segundo ele, para que o assunto - geralmente abordado sob a ótica do moralismo - ganhe força e importância na sociedade e, a partir daí, seja aproveitado como objeto de campanhas eleitorais. “Inserido em um processo laico, o aborto até que poderia ser um tema de caráter secundário”, raciocina.
No Ceará, a rejeição ao aborto chega a 70% da população, segundo pesquisa do Datafolha encomendada pelo O POVO e publicada em setembro.
Na campanha eleitoral, o tema ganhou tanta relevância que logo no primeiro dia de propaganda eleitoral do segundo turno, tanto Dilma quanto Serra se manifestaram na TV sobre o assunto. A primeira se disse “a favor da vida” e chamou de “calúnia” os boatos de que seria favorável ao aborto. Em 2007, porém, ainda como ministra-chefe da Casa Civil, Dilma deu entrevista ao jornal Folha de S. Paulo dizendo que considera um “absurdo” que não haja a descriminalização do aborto no Brasil.
Já Serra garantiu que “sempre” posicionou-se contrário ao aborto e afirmou que, no segundo turno, os eleitores poderão “comparar” e ver quem “defende a vida”. Contudo, já veio à tona na mídia uma norma técnica assinada por ele em 1998, quando era ministro da Saúde, que regulamenta a realização de abortos na rede pública de saúde nos casos já previstos em lei.
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TEMA RECORRENTE Não é de hoje que o aborto tem sido explorado como argumento político. Em 1989, a equipe de campanha do então candidato Fernando Collor de Melo - que viria a ser eleito dias depois - conseguiu gravar um depoimento de uma ex-namorada do sindicalista Luiz Inácio Lula as Silva (PT) afirmando o porquê de não apoiar o petista na campanha pela Presidência. “Como é que eu posso apoiar um homem que, quando soube que eu estava grávida de um filho dele, me ofereceu dinheiro para eu abortar? Que confiança eu posso ter nesse homem? O que ele pode fazer pelo Brasil?”, declarou a enfermeira Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, que seria eleito presidente 13 anos depois.
Pedro Alves
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