Nonato Furtado
Nesse momento enquanto brinco com essas palavras, estou sentado no salão do departamento de Linguística da UFC, depois de sobreviver, pelo menos até o momento, a mais um dia no mundo acadêmico. Sigo açoitado pelas cobranças, algumas exteriores, tantas outras minhas. Esse ritmo de vida, nas palavras de André Monteiro em seu texto “Reza reza”, reduz a nossa condição à de homo lattes. “Livrai-me do homo lattes que em mim range e habita (homo lattes: sub-espécie do homo sapiens. homo fordista da sabedoria estudada dos idiotas diplomados)".
É justamente assim, que vejo emoldurados pelas longas janelas, os galhos de um velho cajueiro. Ele abriga a pequena e tímida pracinha em homenagem ao Moreira Campos. Sobre o altar escrito: “Um dia sentirei saudade dessas árvores.” Os minúsculos e desnutridos frutos que caem são pisoteados pelos transeuntes do local, nosotros mismos. Uma corrida para não chegar atrasado à aula, um pulo na copiadora para buscar aquele material, a defesa de dissertação do colega, uma passada na cantina para tomar aquele café que nos arranca das patas sujas e grudentas de Morfeu. Pois é, idas e vindas, subidas e descidas, manhãs e tardes. “A professora já deixou a nota?”, “Preciso pegar uma declaração.”, “Tenho que falar com o secretário: cadê o Eduardo?”. Enfim...
O velho cajueiro ali materializando nossa distração. Fingindo também ser distraído, em uma cumplicidade com o vento, eles se abraçam e riem dos que por ali passam. Esse riso materializa-se num rangido arrastado de galhos que se encontram. Vez por outra, ele solta um caju bem em cima daquela camisa branca. A pessoa, muito desatenta, olha para um lado e para o outro tentando entender o que aconteceu. Então, olha para cima e percebe o cajueiro, inutilmente passa um lenço na nódoa e segue. Pois é, foi só um velho cajueiro ignorado pela nossa distração.
O cheiro de caju invade esse salão e até ouço alguém comentar: ”Que cheiro de caju!”. Assim, seguimos com nossas atividades laborais, coisas importantes que supostamente resolverão várias questões de uso da linguagem. Mas, distraidamente ignoramos a linguagem da natureza expressa no dialogismo do vento e a polifonia das flores.
Escrito em 03/10/2009.
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