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sábado, 21 de março de 2015

Crônica de Domingo: Tudo Pela Audiência



Estou em casa e tento ver alguma coisa interessante na TV logo após o almoço. Passo os canais numa tentativa frustrada de encontrar algo interessante. O que vejo em alguns canais não é nenhum pouco agradável. Falo, especificamente, dos programas policias.

As cenas são bem conhecidas: o repórter (com pose de promotor de justiça) entrevista agressivamente o acusado, fazendo juízos desnecessários e sem fundamento, enquanto o câmera faz uma panorâmica nos arredores que já está cheio de populares, na maioria crianças.

Quando se trata de um homicídio, essas cenas são bem mais gritantes: inicialmente o repórter aparecer passando uma síntese da “matéria”, depois só aprece sua voz ao fundo, enquanto o câmera ocupa-se em dar um zoom nos ferimentos à bala, faca, pedra, etc. Ele desliza o foco acompanhando o sangue que escorre e é pisoteado pelos curiosos. Mostra um pouco e depois a edição deixa o vídeo embaçado talvez numa justificativa de que não expõe as cenas grotescas. Tento fugir a essas descrições para não reproduzir o que crítico. Sempre as mesmas cenas de sangue, violência, exposição de pessoas oriundas de classes sociais menos favorecidas, elas e suas mazelas, suas dores, seus flagelos sociais.

Em outros casos, o repórter metido a “Zé graça” ridiculariza o acusado se diverte e aproveita o espaço para fazer uma propaganda do comércio de um amigo, dar opiniões sobre seu time de futebol, mandar alô para seus colegas e lógico, como não poderia faltar, utiliza a ocasião para fazer sua propaganda política. Tudo isso acontece nas pausas enquanto ele entrevista o acusado. Ressalto que na Assembleia Legislativa do nosso estado temos alguns deputados que são oriundos desse tipo de programa. Em cima dessas mazelas sociais, muitos projetaram suas imagens e constroem o ethos de verdadeiros heróis do povo. Fico envergonhado com isso. O mais triste é que outro dia, também passando os canais, pude ver um repórter perguntando a uma mãe que estava em prantos pela morte do filho: “Como é que a senhora se sente?”. Também não é difícil escutar: “Como é que pode um rapaz até bem parecido assaltando?”, como se assalto só fosse praticado por gente feia. Isso remexe minhas entranhas.

Um dos resultados de tudo isso é a representação negativa que se faz de alguns bairros periféricos de Fortaleza. A imagem que chega na casa dos cidadãos é de que em alguns bairros não se pode nem colocar a cara fora de casa que se é assaltado, violentado, e que a morte tem endereço fixo ali e se materializa na figura de “jovens criminosos” que “deveriam enfrentar a pena de morte e a cadeira elétrica” na opinião de muitos desses repórteres e apresentadores. Um fato gritante é que o espaço ocupado por esses programas é justamente o horário do almoço ou do jantar e muita gente come vendo e degustando tudo isso.

Esse tipo de programa, por mais que não se possa ou seja difícil mensurar, forma a opinião de muita gente que não tem uma visão mais crítica e aceita essas cenas como verdades únicas e inquestionáveis. Talvez alguém defenda que é nesses programas que “a comunidade se vê”, ou ainda, que “os programas prestam um serviço de utilidade pública”. Talvez eles tenham alguns fatores positivos que não consiga apontar, mas sem dúvida eles prestam um grande desserviço à nossa sociedade. Essas comunidades que aparecem não teriam coisas positivas para se mostrar? Será que dentro de alguns shoppings centers também não acontecem delitos? Se acontecerem, é feita a mesma exposição que se faz das comunidades?

Não seria difícil traçar um perfil dos entrevistados: jovens, afro-descendentes, sexo masculino, desempregados, baixa escolaridade, moradores de bairros periféricos, etc. Esse perfil exige um olhar menos simplista sobre esses acontecimentos “tragicômicos” exibidos pela programação. Não estou defendendo que ocultemos os problemas sociais fingindo que eles não existem. Não, não é isso. Defendo apenas que os programas sejam menos preconceituosos, mais éticos e mais educativos. Continuo aqui passando os canais e desejando que esse tipo de programa, com esse formato, não esteja mais nas minhas opções da televisão.

Originalmente publicada no Blog do Nonato Furtado em março de 2010
Por Nonato Furtado

SOBRE O AUTOR
O Professor Nonato Furtado nasceu em Fortaleza (CE) em 1982. Possui graduação em Pedagogia (UVA), Letras Português-Espanhol (UECE), Mestrado em Linguística (UFC) e, atualmente, é Doutorando em Linguística Aplicada (UECE). É professor da Casa de Cultura Portuguesa (UFC) e descobriu na fotografia um estreito diálogo com a literatura e, em particular, com o gênero crônica. Tem interesse pela fotografia como narrativa do cotidiano e tem inclinações para fotografia social e de pessoas. 

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