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sábado, 23 de novembro de 2019

Sem tetos improvisam casas com sofás, camas, armários e outros móveis em ruas de Fortaleza

Lucilene vive em situação de rua há cerca de oito anos. O filho, de 11, mora com a tia — Foto: Fabiane de Paula/SVM
Se tivessem paredes e teto concretos, as estruturas montadas por pessoas em situação de rua em Fortaleza seriam como casas. Com papelão, placas de madeira e outros materiais reciclados, homens, mulheres e crianças erguem “cômodos” em vias públicas e canteiros centrais, buscando proteção contra a chuva, o sol e as múltiplas violências.

Os lares improvisados são cada dia mais comuns nas regiões centrais e periféricas da capital cearense, indicando possível aumento na quantidade de fortalezenses sem teto. A contabilização oficial em 2015 era de 1.718 pessoas, feita pela Prefeitura de Fortaleza e já desatualizada. Um novo Censo sobre a População em Situação de Rua da cidade “está em processo licitatório”, como informou a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), em nota.

A realização do levantamento foi alvo de recomendação do Ministério Público do Ceará (MPCE), em agosto deste ano, que determinou um prazo de 30 dias para que a gestão municipal montasse o cronograma da pesquisa. As datas, contudo, não foram informadas ao G1. Para Eneas Romero, promotor de Justiça do MPCE e coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Caocidadania), um censo específico é fundamental para elaboração de políticas.

“É uma população flutuante, mais difícil de abordar, tem um perfil múltiplo que precisa ser entendido. Qual o histórico daquela pessoa? Sem o censo, teremos sempre uma lacuna. Houve um aumento muito grande dessa população”, pontua, acrescentando que a pesquisa deveria ser feita também “em todas as cidades cearenses com mais de 100 mil habitantes”. A proposta, porém, não avançou nas esferas governamentais.

“Entender essa população é importante para repensar o preconceito, acabar com a política higienista, que quer expulsá-las”, afirma o promotor de Justiça Eneas Romero.

'Sem tomar café, sem almoçar e sem jantar'
Leidiane e Eilson improvisam moradia em rua de Fortaleza — Foto: Fabiene de Paula/SVM
Fora das estatísticas, as estratégias para uma sobrevivência segura resistem – processo que, para Jesus Maciel, já dura 15 dos 70 anos de idade. No “apartamento” sem porta, construído à base de material reciclado no Bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza, cabem cama, fogão, roupas, espelho na “parede” e uma carcaça de geladeira na qual guarda a ração dos cachorros Toinha, Ceará e Anita, “pros ratos não roerem como fazem com as lonas” do teto.

São os animais de estimação que fazem vezes de alarme para acordar Jesus e impedir que estranhos roubem os poucos pertences guardados no barraco. Mesmo assim, o colchão, o botijão de gás e “um radinho” que recebeu no Natal passado se foram, quando se ausentou por dois minutos para ir pegar água em um condomínio próximo, “pra tomar banho e lavar roupa”.

Apesar de tudo, ele define o “puxadinho” como lar. “Muita gente, até cantor famoso, já me convidou pra sair da rua. Mas não quero, não”, assume, movido pela frustração de não ter conseguido uma unidade do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, mesmo ficando “sem tomar café, sem almoçar e sem jantar dias inteiros, resolvendo burocracias”. Ficou de herança a impressão de que tudo pode dar errado – de que a rua é predestino.

Violência
Dados sobre população que vive em situação de rua em Fortaleza não são atualizados há quatro anos — Foto: Fabiene de Paula/SVM
Para Leidiane Avelino, 33, esse “apego” à rua não existe. Principalmente depois que teve todos os pertences e documentos queimados por um comerciante, próximo à Avenida Humberto Monte, no Bairro Pici, quase vizinha ao maior campus da Universidade Federal do Ceará (UFC). Leidiane mora há mais de dois anos na “casa” montada com materiais reaproveitados, mas as vivências pelas ruas já se acumulam há uma década, desde que começou a perder os dentes e os laços familiares para o vício em drogas.

Atualmente, cama, travesseiros, um armário de cozinha e a pilha de roupas completam o cenário que divide com o companheiro, Edilson. Compartilham, ainda, em “dia de sorte”, os pedaços de frango descartados por um frigorífico próximo, cozidos no “fogão à lenha” de tijolos e madeira, ali mesmo no canteiro central. As doações, aliás, nem sempre são uma boa ideia: nesta semana, ganharam uma caixa de produtos alimentícios – todos vencidos há quase um ano. Comeram mesmo assim.

A mulher só tira o sorriso espaçado do rosto ao falar dos quatro filhos, “criados nas casas dos outros”. “Meu maior sonho é ter uma casinha pra ter eles de volta”, revela, deixando a boca se encher com o silêncio, e os olhos, com as lágrimas.

Sonho de um teto
Jesus Maciel, 70 anos, vive na rua há 15 anos — Foto: Fabiene de Paula/SVM
O desejo é compartilhado por Francisco Eduardo Nascimento, 36, e pela companheira, Lucilene de Sousa, 36, que vivem em outro ponto da cidade, a poucos quilômetros de Leidiane. Uma das “paredes” da moradia do casal é a mureta do canal de drenagem da Avenida Eduardo Girão, no Bairro Jardim América, onde se firmaram há exatos dois anos. Hoje, têm móveis, panelas, sofá, cama e até uma rede para passar os dias, escapando da violência, do frio e da fome.

“Uma vez, um homem queria me ter, aqui… Mas ele (Eduardo) chegou”, relembra, com medo ainda palpável de que “aconteça de novo”. Lucilene passou a morar na rua para acompanhar Eduardo, mas sente nas costas e no peito cada grama do peso que carrega por viver sem teto, sendo mulher – e mãe. “Ontem dei uma limpeza total aqui. Meu maior sonho é ter um cantinho pra morar com o Eduardo e meu filho. Ele vive, hoje, com uma tia, mas sente muito a minha falta. Minha família são eles”, emociona-se.

Ao companheiro, em situação de rua há 13 anos, desde quando sucumbiu ao vício em substâncias químicas, resta a impotência. “Eu quero tirar meus documentos, resolver a pensão que não consigo pagar à minha filha, ter minha casinha… Arrumar um emprego. Mas isso é muito difícil pra mim, não tenho estudo nem documento, então não tem oportunidade”, lamenta Eduardo, enquanto empunha um livro de Química 2, disciplina que nem chegou a estudar na escola, já que largou as aulas no 7º ano fundamental.

Denúncias

Entre 2011 e junho deste ano, 230 denúncias de violências física, psicológica, institucional e discriminação contra pessoas em situação de rua no Ceará foram reportadas ao Disque 100. Neste ano, foram 14.

De acordo com o levantamento, abuso de autoridade, violência policial e ausência de acesso a serviços de assistência são, ao longo dos anos, os tipos de abusos institucionais mais denunciados sobre a população de rua do Ceará.

Entre as violações físicas reportadas ao canal nacional, predominam as lesões corporais e os maus tratos, praticados principalmente por ex-maridos, familiares e desconhecidos. A maior parte das denúncias não especifica a relação suspeito-vítima no Estado.

Fonte: G1 CE

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